"Não julgue os outros só porque os pecados deles são diferentes dos seus."

"Depois de um tempo, você ainda vai lembrar dessa ferida que rasgou fundo o teu peito. Mas vai saber também, que foi apenas uma página do capítulo passado. E que o capítulo que você está agora. Ah, esse sim é o mais interessante."



domingo, 2 de agosto de 2015


"O domingo esperou o meio-dia para amanhecer. E amanheceu cru. Frio. Duro, muito duro de se encarar. Como a realidade de uma segunda-feira, só que pior. Pior porque a segunda-feira vem com a esperança da sexta, e aquele domingo ainda poderia durar muitos finais de semana para se tornar uma lembrança feliz no coração daquela menina. A lembrança feliz de um amor que doeu por ter-se perdido. O amor que se perdeu por excesso de prática e falta de teoria. Quem diria?
O retorno dessa estrada é contramão. Uma vez que a conexão entre dois corações apaixonados é perdida, não há parabólicas, antenas, fibra ótica, nem WiFi que a recupere. É preciso testar sua potência antes de sair correndo pelos telhados procurando um bom sinal, e se jogar de lá de cima definitivamente não é caminho de volta.
Dói. E dói porque se não doer, não é amor. Vinícius estava certo, Clarice estava certa, Renato estava certo. Dói como se estivéssemos pendurados pela pele nos ganchos de um caminhão refrigerado enquanto o açougueiro vai rasgando a carne, rasgando o peito e arrancando os órgãos. Forma-se uma bola de vazio na boca do estômago que vai subindo até desembocar nos olhos e explodir, e, quando explodir, incendiar tudo e todos que está aos arredores, causando o caos, a dor e as cinzas.
De repente, no meio de tanta gente, nasceu um domingo de cinzas no coração daquela menina. Ainda era sábado, mas ela sabia. Seus olhos coloriam verdes e vermelhos que pintavam a dor de sua alma. Talvez não houvesse nada mais a se fazer, se não aceitar. Com redenção, humildade e submissão. Apenas aceitar, de cabeça baixa e braços abertos a dor que se escolheu sentir; sem arrependimentos, porque no futuro, eles não nos valem de nada. Aceitar o tamanho gigantesco da injustiça da vida que lhe coloca no caminho um amor quando não se está maduro o suficiente para vivê-lo. Aceitar o tamanho pequenino da nossa humilde existência frente à força da energia do universo que nos rege. Sentir com toda a intensidade do coração que ainda lhe bate forte e fundo dentro do peito esse dilacerar de sentimentos que ninguém mais pode sentir em seu lugar, assim como foi sentido o intenso daqueles dias em que o céu parecia lhe sorrir presenteando-lhe com manhãs ensolaradas de domingos quentes e coloridos.
O retorno dessa estrada é contramão e o domingo sombrio que se iniciava estava distante de um fim perfeito. Havia muitos finais de semana pela frente. Muitos amores requentados numa tupperware própria para resistir ao calor do micro-ondas estariam por acontecer. Ainda assim, diante do infinito de possibilidades que o horizonte lhe proporcionava, carregaria uma cruz toda esburacada de erros e acertos, marcada para sempre na sua memória e a guardaria no fundo falso da última gaveta do guarda-roupa embutido da casa de seus pais. Há quem diga que amores de gaveta nunca morrem; eu diria que eles nunca sobrevivem. Mas a escolha entre carregá-lo em coma induzido ou deixá-lo partir, é da alma de quem sofre, não de quem, pretensiosamente, procura entender.
E é por isso que mesmo quem nunca sentiu a paixão de Cristo, mais cedo ou mais tarde na vida, por mais ou menos tempo, um dia terá sua cruz; um dia será Jesus."

Letícia Flores