"Então eu estou indo. Indo mas o amor fica. De modo diferente, mas ainda amor. Estou indo porque meus olhos não conseguem enxergar outro amor em outros olhos que não sejam os seus. Porque eu montei a mesa com um banquete mas você não tinha fome. Porque eu dei o primeiro, o segundo, o quinto passo, e olhei pro lado e vi que estava sozinha, você não veio junto. Fica meu querer bem, meu desejo que você encontre a felicidade por esse caminho que não trilharei mais, talvez que eu nunca tenha trilhado na verdade. Não posso deixar meu cafuné, meu colo, meus beijos, porque a partida vai exigir afastamento, distância. Mas ficam minhas orações, meu zelo, meu apreço. Ficam meus braços abertos não mais para abraços, mas para qualquer socorro que precisar. Fica meu cheiro, por algum tempo ainda. Meus sorrisos. Estou levando os planos, aqueles que você estaria ao meu lado e eu seria feliz a cada dia por isso. Os fins de tarde quando você chegasse do trabalho e me encontrasse esperando pela coisa que eu mais precisava ter pra sorrir; ou o meu beijo de agradecimento com um sorriso estampado no rosto por você ter preparado o jantar daquela vez. Os filmes compartilhados de pijama na sala ou a dança no meio da cozinha enquanto o almoço do feriado é preparado. O churrasco com os amigos, as conversas e gargalhadas e o barulho de pessoas que são felizes. As viagens de férias. O cuidado quando o outro ficasse doente. A reforma da casa. A escolha do carro. O bilhetinho dentro da sua mochila do trabalho lembrando como eu te amo. As manhãs bem cedo que passaria te olhando enquanto dorme. Essas coisas levo. Tem coisa pior que o não acontecido? Quando você tem a plena certeza que somos perfeitos juntos, então? Que seríamos tão felizes, apesar do que nos acontecesse. Fica a certeza que me enganei. Quando tudo o que mais quis era que me deixasse ficar. Como se oferece algo tão grandioso e sagrado e ainda assim não é o suficiente para o outro? O amor não funciona como queremos, eu sei. Só não compreendo algumas partes, perdoe-me. Então estou indo. Vou porque te amo. Para aprender a amar de uma outra forma. Não há culpados. Nem ressentimentos. Só me deixe, por favor, ir. Não segure minha mão. Não me queira perto. Não me peça nada. Porque eu te amo, eu vou. Porque não deveria te amar. Porque devo te amar diferente. Estou indo.
Não bata na minha porta. Não precisa. Você permanecerá aqui dentro. Eu sempre serei grata. Só não queira ficar entrando e saindo. Deixe-me te deixar aqui, guardado.
Não há feridos assim."
Rachel Carvalho