“Quanto a mim, foi só olhar que logo me apaixonei pela cara dele. (...)Apesar de ser italiano, tinha cara de brasileiro e cara de quem se chama Dilermando. Paguei um dinheiro para a dona dele e levei Dilermando para casa. [...]. Ele parecia tão feliz por eu ser dona dele que passou o dia inteiro olhando para mim e abanando o rabo. [...] Dilermando gostava tanto de mim que quase endoidecia quando sentia pelo faro o meu cheiro de mulher-mãe e o cheiro do perfume que uso sempre [...]
Quando eu estava escrevendo à máquina, ele ficava meio deitado ao meu lado, exatamente como a figura da esfinge, dormitando. Se eu parava de bater por ter encontrado um obstáculo e ficava muito desanimada, ele imediatamente abria os olhos, levantava alto a cabeça, olhava-me, com uma das orelhas de pé, esperando. Quando eu resolvia o problema e continuava a escrever, ele se acomodava de novo na sua sonolência povoada de sonhos - porque cachorro sonha, eu vi. Nenhum ser humano me deu jamais a sensação de ser tão totalmente amada como fui amada sem restrições por esse cão."
Às irmãs Elisa e Tânia, Clarice escreveu: “Você não sabe que revelação foi para mim ter um cão, ver e sentir a matéria de que é feito um cão. É a coisa mais doce que eu já vi, e é de uma paciência para com a natureza impotente dele e para com a natureza incompreensível dos outros... E com os pequenos meios que ele tem, com uma burrice cheia de doçura, ele arranja um modo de compreender a gente de um modo direto. Sobretudo Dilermando, era uma coisa minha e eu não tinha que repartir com ninguém”.
(CLARICE, uma biogrfia - Benjamin Moser - pgs, 238, 239)